Sofre
um pouco, Meu Amor. Ou sofre muito se quiser. Só seja breve no sofrer.
Permita-se o choro, o grito e o pavor mas não se demore a recompor. Não perca o
viço ou a ternura. A esperança ou a bondade. Não perca a graça, Meu Amor. Mas
sofre. Sofre pois são grandiosas as almas sofridas. Se desalmado fosse,
certamente não sofreria.
Eu
poderia declamar clichês desalentadores dizendo que é bobagem sofrer por isso.
Que é fase. Que logo passa. Que daqui a pouco você não vai nem lembrar. Mas eu
sei que não é bem assim. Não se culpe pelo seu pranto por mais tolo que seus
soluços soem aos outros. Se desnecessário fosse, certamente não doeria.
Até
as mais tolas perdas são difíceis, eu sei como são. Perdi um dente na infância.
Logo o mais importante deles. Aquele que me embelezava o sorrir e permitia-me
assoviar canções que alegravam meus colegas da escola. A falta dele enfeiou-me
a face por algum tempo. Perdi a vontade de sorrir. Perdi a coragem de sorrir.
Perdi a graça. Exatamente como acontece com você agora.
Esporadicamente,
para compensar a feiura de minha face desdentada, esboçava risos frouxos para
cumprir protocolos orientais e a vida seguia assim, meio banguela, desdentada.
Senti a perda daquele dente. Ressenti. Por isso lhe compreendo e solidarizo-me
com a grandiosidade do seu tolo sofrer.
Os
dias passaram e a vida continuou assim, meio desatenta, desdentada. Meu
cotidiano infantil era repetidamente interrompido pela tristeza de fitar o
espelho e ressentir a falta dele, meu tão amado dente. Mais dias passaram-se
mas, vez ou outra, a falta dele persistia em me morder.
Certo
dia, sem nem perceber, esbocei um sorriso involuntário e meus colegas riram do
meu sorrir desdentado. Foi assim que eu percebi que eu poderia sim, sorrir sem
o dente. Meu sorriso estava desajeitado mas mantinha a graciosidade de um jeito
ainda mais peculiar. E um tempo depois, sem eu nem esperar, um novo dente
começou a brotar e me embelezou não só o sorriso mas também o olhar.
E
é por isso que eu lhe digo, Meu Amor: sofre essa perda. Sofre porque o
sofrimento é parte imprescindível desse ritual. Só não permite que o sofrimento
se torne habitual. Entende que na maioria das vezes não é a falta do dente que
lhe faz sofrer, mas apenas a falta do sorriso que, tão inocente quanto aquela
criança banguela, você acredita que era o dente quem fazia acontecer. Eduarda
Costa